terça-feira, 26 de maio de 2009

Entrevista a Fernando Meirelles - por Cavi Borges e Luciano Vidigal

Divulgação
Seu pai é médico gastroenterologista e viajava com razoável freqüência para a Ásia e a América do Norte, entre outras regiões do mundo, o que fez com que Fernando Meirelles mantivesse contato com diferentes culturas e locais, acompanhando o pai. Aos 12 anos de idade, foi presenteado com uma câmera de filmar, e esse passatempo nunca mais foi abandonado. Cursou a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo durante a década de 1980. Elaborou seu trabalho de graduação na forma de um filme, diferentemente dos tradicionais projetos preparados por outros graduandos: viajou ao Japão e comprou um equipamento de vídeo profissional para preparar o trabalho. Apresentou-o e recebeu a nota mínima para graduar-se.

Junto com quatro amigos (Paulo Morelli, Marcelo Machado, Dário Vizeu e Beto Salatini), Meirelles iniciou sua carreira com filmes experimentais. Com o tempo, fundaram uma produtora independente: Olhar Eletrônico. Posteriormente, novos amigos se uniram ao grupo: Renato Barbiere, Agilson Araújo, Toniko e Marcelo Tas. Em 1982 a produtora levou ao ar programas de televisão sobre atualidades, assim como a série infantil Rá-Tim-Bum, com 180 episódios. Além de obterem uma alta popularidade, também introduziram nos noticiários uma informalidade humorística renovadora.

Nos fins da década de 1980, foi-se interessando cada vez mais pelo mercado publicitário. Em 1990, Meirelles e amigos fecharam a Olhar Eletrônico, abrindo uma empresa de propaganda, a O2 Filmes. Uma década foi o suficiente para que Meirelles se tornasse um importante e dos mais procurados produtores publicitários.

Em 1997, Meirelles leu o livro Cidade de Deus, de Paulo Lins. Ele tomou a decisão de adaptá-lo ao cinema, o que se concretizou em 2002, e decidiu que os atores que participariam seriam selecionados entre os habitantes das favelas. Numa etapa final, de 400 crianças, chegaram a 200, com quem trabalharam para a produção final do filme. A filmagem foi feita com técnicos profissionais. O filme teve sucesso nacional e internacional. Em 2004, o filme recebeu as indicações ao Oscar de Melhor Diretor, Melhor Montagem, Melhor Fotografia e Melhor Roteiro Adaptado.

Em 2006, seu filme O Jardineiro Fiel recebeu quatro nomeações ao Oscar: Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Trilha Sonora, Melhor Montagem e Melhor Atriz Coadjuvante, no qual a atriz Rachel Weiss foi premiada. Como diretor do filme, Meirelles fez questão de que a trilha sonora fosse baseada na música de países africanos, e grande parte das filmagens foi feita no Quênia. Esse foi o primeiro filme de Meirelles em língua inglesa.

Em maio de 2008, Blindness (Ensaio sobre a cegueira) foi o filme de abertura do Festival de Cannes.

Encontramos Fernando Meirelles num debate sobre cinema e batemos um papo sobre o marco do cinema brasileiro, o filme Cidade de Deus, impressões do cinema, suas referências e seus antigos e novos projetos.

FALE UM POUCO SOBRE O INÍCIO DE SUA CARREIRA
“Comecei fazendo o programa RÁ-TIM-BUM, depois passei para a publicidade que foi uma verdadeira escola para mim. Nesses anos cheguei a fazer cerca de 800 comerciais, onde pude trabalhar com vários fotógrafos diferentes e fazer todos os tipos de filmes que possa existir. Um ótimo exercício pratico de realização onde desenvolvi e aprimorei minha técnica cinematográfica. Enquanto vários diretores filmam de 4 em 4 anos, era obrigado a filmar quase que diariamente e pude testar várias linguagens, enquadramentos, equipes entre outras coisas. Porém, comerciais não ensinam fazer DRAMA e como construir e desenvolver personagens. Tive que aprender isso fazendo filmes.”

E O PROCESSO PARA O CINEMA?
“Apesar de ter lançado primeiro o filme DOMÉSTICAS, considero como meu primeiro filme o CIDADE DE DEUS. Realmente comecei a trabalhar nele primeiro, desenvolvendo o roteiro com o Braulio e começando a correr atrás do dinheiro. Enquanto isso acontecia, acabei filmando o DOMÉSTICAS, que era uma peça de teatro. Aproveitei as mesmas atrizes, o texto, até o cenário, filmando tudo em poucas semanas e gastando quase nada. Voltei para filmar o ‘CDD’ e só depois finalizei o DOMÉSTICAS.”

COMO SURGIU O INTERESSE PARA ADAPTAÇÃO DO LIVRO CIDADE DE DEUS?
“Heitor Dhalia, cineasta, que trabalhava comigo na O2 produtora e me apresentou o livro. Inicialmente não me interessava filmar tiros, favelas e a cidade do Rio que eram universos muito distantes do meu cotidiano. Quando li o livro, mudei de idéia na hora. Sabia que o autor do livro PAULO LINS já tinha propostas de outros diretores para vender os direitos para o cinema. Não hesitei em convidá-lo a vir a São Paulo para convencê-lo que eu era a pessoa certa para fazer esse filme. Depois entreguei o livro para o Bráulio Montovani (roteirista) e falei que aquele seria seu primeiro filme. Depois de ler, Bráulio considerou impossível a tarefa de adaptá-lo. Muitas histórias e muitas situações. Como fazer um filme que mostra tantas situações e tantos personagens. Começamos a destacar as histórias que considerávamos mais interessantes e depois começamos a juntar personagens. O que fez que cada personagem no filme representasse vários personagens do livro.”

REZA A LENDA QUE VOCÊ TIROU DINHEIRO DO BOLSO PARA A RELIZAÇÃO DA PRÉ-PRODUÇÃO DO CIDADE DE DEUS.
“Convidei Walter Salles para ser o produtor do filme. Achava que esse filme interessaria mais lá fora que aqui e sabia que Walter tinha bons contatos e seria a pessoa ideal para vendê-lo. Na época, Walter foi convidado pela Miramax para fazer um filme chamado Redenção da Virgem com Benício Del Toro. Ele topou fazer esse filme desde que a Miramax produzisse também Cidade de Deus e Madame Satã que eram filmes pequenos para os padrões deles. Estava tudo acertado e já estávamos realizando as oficinas com os atores no Rio. Benício Del Toro machucou o dedo e o filme do Walter teria que ser adiado. Porém esse adiamento fez que Walter saísse do projeto e consequentemente a Miramax abandonou os outros filmes (CDD e Madame Satã). Fiquei sem dinheiro e tive que fazer uma coisa que não recomendo a ninguem: peguei todo o meu dinheiro ganho em 20 anos de publicidade e apliquei tudo no filme Cidade de Deus. Mas tarde, com o filme pronto, voltei a Miramax para vender o filme. Tivemos uma reunião fatídica de quase 7 horas mas acabei conseguindo 3 vezes mais dinheiro que eles iriam dar anteriormente.”

OS CRÍTICOS DESTACARAM MUITO A SINGULARIDADE DO ELENCO DO CIDADE DE DEUS. COMO FOI O PROCESSSO?
“Não achava que existiam atores profissionais suficientes com os perfis dos personagens que o filme propunha. Chamamos o Guti Fraga do NÓS DO MORRO para treinar jovens achados em várias comunidades do Rio para fazer os papéis do filme. Foram 7 meses de oficinas. Quase todos não tinham experiência como atores profissionais. Isso acabou sendo um grande acerto no filme. Acabou levando também a um processo de filmagem mais livre, sem marcações e textos decorados fazendo tudo parecer mais realista e crível. Tivemos também a chance de testar enquadramentos, texturas e situações fazendo o curta PALACE II que virou um episódio do BRAVA GENTE BRASILEIRA. César Charlone, o fotógrafo do filme, resolveu testar muita coisa nova e acabou desenvolvendo um processo de finalização da imagem que durou quase 4 meses e que pouco era conhecido aqui no Brasil. Essa finalização digital deu um ‘look’ especial ao filme. Acho também que as participações de Daniel Rezende, o montador, que trazia o frescor e influências de sua origem como DJ e do roteiro do Bráulio, fizeram do filme um espaço de experimentação. Todos eram iniciantes e traziam novas idéias. Demos muita sorte. Tudo foi dando certo e acabou contribuindo com o resultado final do filme.”

MUDOU ALGUMA COISA DEPOIS DO SUCESSO DO FILME?
“Mudou tudo! Uma semana depois da exibição do filme no festival de Cannes, recebi dezenas de roteiros de diversos produtores internacionais. Quase todos os filmes eram relacionados a gangues e histórias de gueto. Fui literalmente atropelado pelo mercado internacional. Acabei desenvolvendo um projeto com César Charlone chamado INTOLERÂNCIA que era filmado em vários países diferentes. Um dia, voltando de visitas de locações na África conheci um produtor inglês que me ofereceu o roteiro do JARDINEIRO FIEL. Gostei do projeto, pois além de ter locações na África, local provável de filmagem do projeto INTOLERÂNCIA, estava muito interessado sobre as leis da indústria farmacêuticas. Uma verdadeira máfia. Queria cutucar essas pessoas com meu filme. Nesse filme, pela primeira vez trabalhei com atores profissionais de cinema. Era uma realidade totalmente diferente. Um grande desafio também, pois teria que dirigi-los em inglês. Enquanto no CIDADE DE DEUS ensaiamos 9 meses, no JARDINEIRO FIEL li o roteiro com Ralph Fiennes apenas duas vezes e foi o suficiente”.

FALE UM POUCO SOBRE O SEU ÚLTIMO TRABALHO BLINDNESS
“Foi mais uma jogada do destino. Tinha lido o livro há muito tempo e resolvi que queria filmá-lo. Seria meu primeiro filme. Procurei Saramago na época que não se interessou em transformar o livro em filme. Anos depois um produtor me ofereceu para fazê-lo. Procurei Saramago para me ajudar a desenvolver o roteiro.Queria muito a sua colaboração. Ele me disse que não queria se meter. Que o filme era meu. O filme teve locações no Canadá, Japão e no Brasil. Filmamos em São Paulo. Queria muito que fosse filmado no Brasil. Acho que uma das minhas missões é tentar internacionalizar o cinema brasileiro. Quero botar o Brasil no circuito internacional. Sempre pensei no Saramago enquanto fazia o filme. Era uma responsabilidade muito grande adaptar esse livro. Quando passou no Festival de Cannes foi uma verdadeira catástrofe. As críticas foram muito duras com o filme. Logo depois fui para Lisboa mostrar o filme para Saramago. Durante a exibição ele não deu uma palavra e não demonstrou uma única reação. Os créditos começaram a subir e ele não falava nada. Quando a luz acendeu, olhei para o lado e ele estava chorando. Tinha adorado e estava emocionado. Respirei aliviado.”

QUAIS SÃO SEUS PROXIMOS PROJETOS?
“Acabei de fazer uma série para a TV GLOBO chamada SOM E FÚRIA. É sobre uma companhia de teatro. Usamos cerca de 100 atores com um texto muito simples e direto. Chamei diretores estreantes para dirigir alguns episódios e fiz a direção geral. Meu próximo filme deve ser uma comédia escrita por Jorge Furtado. Queria muito um dia adaptar para o cinema Grande Sertão: Veredas e tem outro projeto chamado EUMINA, que seria uma grande saga filmada na Costa Oeste da África que mostraria como aconteceu o mercado negreiro com o Brasil. Mostraria o nascimento na tribo africana até a morte no engenho no Brasil.”

ALGUMAS DICAS PARA OS NOVOS CINEASTAS?
“Sejam PRETENCIOSOS! Não reproduzam o que já foi feito. Surpreendam as pessoas com coisas e idéias novas. Eu sempre crio um desafio pra mim e vou atrás dele conquistá-lo. Fazer uma coisa que não sei fazer. Isso me estimula”.

Um comentário:

Claudia Barreiros disse...

Adorei a entrevista. Adoro Fernando Meireles e achei tudo muito interessante. O blog esta de parabens. Sao projetos assim que fazem o Brasil andar pra frente.