segunda-feira, 25 de maio de 2009

RELATÓRIO DE UM VISITANTE ESPECIAL

Cinco e trinta da manhã toca o despertador. Eu acordo ansioso e a primeira coisa que penso é: Vou para uma delegacia de policia visitar um amigo especial.
Troco de roupa e peço a Deus que continue fortalecendo a minha estrutura humana...
Chamo minha mãe, que está um pouco ansiosa e atrasada. Entramos numa Kombi, para não descer a favela a pé. Aguardamos o ônibus que não demorou e não veio lotado.
Descemos no ponto final do ônibus. Andamos uns quatro ou cinco quarteirões. Minha mãe narra o dia em que foi visitar este meu amigo especial: estava chovendo muito e os carros passavam por cima das poças jogando água em cima dela.
Chegamos ao local da visita. A fila está enorme, a namorada do meu amigo especial estava lá, quase no final da fila, guardando o nosso lugar, mas ela estava lá...Pessoas humildes, mulheres bonitas, sensuais, feias, sofredoras e guerreiras. De duzentas mulheres uns dez homens estavam na fila. Eu percebo que tem uma mulher loira, que está na fila, me olhando. Ela é bonita, sinto-me seduzido por ela, lembro que ali existem regras, que se não forem respeitadas...
Eu sinto calor, muito calor... Levanto a camisa, a loira continua me olhando, abaixo a camisa, ela não me olha mais, está séria.
Demora pra começar a visita. Às vezes me sinto um peixe fora da água, resolvo sentar no chão, relaxar e me igualar àquelas pessoas. Começo a sentir a essência do sofrimento do povo de verdade, interessante... Saem os visitantes do primeiro horário... Alguns choram muito.
- Deve ser a primeira vez deles
Afirma a namorada do meu amigo.

Chegou a nossa hora de visitar. O meu batimento cardíaco aumenta. Não sei se estou ansioso ou com medo.
Vamos nessa! Estrutura humana! Sou revistado, entrego a minha identidade, assino um papel e entro na delegacia... Uma sala pequena, quente, com vários visitantes esperando os seus amigos especiais.
Os presos começam a entrar na sala de visita: eles são velhos, novos, pálidos, negros, brancos, de óculos, cara de bom, cara de mal... Realmente bandido não tem cara.
Meu inconsciente fala alto:
- Que cara pálido
O rapaz me olha. Eu tenho medo. Ele finge que não me vê e beija sua namorada com vigor.
Os presos continuam entrando na sala, aproximadamente uns setenta presos. Os primeiros visitantes que chegaram na fila esperam sentados, os que chegaram depois aguardam em pé. Nós três chegamos depois.

Entra o meu amigo especial... Ele continua bonito, com cara de sono e mais forte. Abraça sua namorada, minha mãe e depois me abraça... Eu nunca tinha valorizado tanto o gesto de abraçar. Sempre gostei de abraçar, mas aquele foi especial.
- Ontem eu fui dormir às quatro da manhã. Conheci o meu defensor público. Preciso dos meus documentos e uma testemunha pra provar que eu sou inocente.
Diz meu amigo suas primeiras palavras da visita.
Troco olhares com a minha mãe e respondo pra ele.
- Fica tranqüilo... E ai? Está feliz com a nossa visita?
- A visita é a alegria do preso.
Ele responde com uma mistura de felicidade e tristeza.
Nós começamos a conversar sobre diversos assuntos: Liberdade, transformação, saudade, amor, sofrimento, fidelidade, família, dinheiro... Eu percebi que o meu amigo fixava-se em três coisas: Advogado, dinheiro e visita.
Eu sinto calor, muito calor. Todos falavam ao mesmo tempo. Minha mãe não parava de suar, aquele lugar parecia que ia explodir. Resolvi levantar a camisa e rapidamente fui interrompido pelo meu amigo com um tapa na minha mão.
- Você tá maluco? Nunca mais faça isso aqui dentro.
Ele me explicou que minha atitude de levantar a camisa seria um desrespeito às mulheres dos presos. Na cadeia existem regras e aqueles que não respeitam...
Olhei para o lado e estava aquela mulher loira, da fila, me olhando, mas agora com o seu namorado, um homem com a cara de mal. Senti medo.

Surge um som estridente de uma sirene.

- Acabou a visita.
Falou meu amigo enquanto abraçava sua namorada e minha mãe.
Os visitantes começam a sair. Toca novamente a sirene. Agora sinto um aperto no coração. Me dá uma vontade de chorar, o meu amigo me abraça e eu falo emocionado:
- Eu te amo, irmão, e nunca vou te abandonar.

As visitantes mulheres começam a sair e os homens têm que aguardarem todos os presos serem revistados. Ficamos uns dez homens aguardando dentro da sala. Somos trancados, eu me sinto um ninguém nesta situação. Me sinto um preso.

Chegam mais presos e passam perto da gente.
-Eles fazem isso que é pra gente nunca mais voltar aqui
Indaga um jovem alto e magricelo. Converso com o meu inconsciente: A transformação existe. Deus existe.

Cinqüenta minutos depois os visitantes liberados. Saio da cadeia e vejo que a liberdade é uma dádiva. Minha mãe e a namorada do meu amigo estavam me esperando. Eu abraço a minha mãe e caminhamos em rumo à vida, que continua e ainda é especial.

Luciano Vidigal

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